Os municípios e o combate à filoxera

A filoxera na vinha. Fonte: Clube de Vinhos Portugueses

A invasão da vinha portuguesa pela filoxera no século XIX constitui, sem dúvida, um dos episódios mais traumáticos da agricultura portuguesa oitocentista; a tal ponto que é usual referir-se que não existe hoje, praticamente, vinha anterior à invasão desta epidemia.

A invasão da Phylloxera vastatrix, um pequeno mosquito que suga a vinha, acontece num momento em que, particularmente na região Duriense e nas suas limítrofes, o vinho se tinha tornado a produção predominante. Como refere Fonseca, “por alturas de 1870, uma cultura da vinha em crescente desenvolvimento assumia-se como um dos principais suportes da economia portuguesa “(2004, p. 8). Efetivamente, a produção vinícola tinha vindo a crescer em todo o país nas décadas de 60 e 70, recuperando já da anterior crise do oídio. Este crescimento era particularmente significativo a Norte do país, representado os distritos de Bragança, Vila Real, Viseu e Guarda metade da produção nacional e resultou fundamentalmente de um processo de crescimento da área cultivada (MARTINS, 1999).

A epidemia introduz-se silenciosamente na Europa por volta de 1860, trazida pelas videiras americanas importadas para responder à crise do oídio. Se, efetivamente, a vide americana tinha já desenvolvido formas de resistir à filoxera, a videira europeia autóctone – Vitis vinífera – estava completamente indefesa.

Portugal foi o segundo país europeu a ser invadido, tendo os primeiros ataques sido detetados ainda na década de 60 em vinhedos do concelho de Sabrosa. No resto desta década, a expansão da invasão parece estar contida, mas, no início da década de 70, começa sucessivamente a espalhar-se pela região do Douro (cf. Tabela 1).

Tabela 1: Cronologia da invasão da Filoxera no Douro

AnoConcelhos invadidos
1863Sabrosa
1871Santa Marte de Penaguião
1872Peso da Régua, Alijó, Tabuaço, S. João da Pesqueira
1874Armamar
1875Vila Real
1878Mirandela
1879Lamego, Carrazeda de Anciães, Vila Nova de Foz Coa, Figueira de Castelo Rodrigo
1880Murça, Vila Flor, Meda. Alfândega da Fé
1881Mesão Frio, Torre de Moncorvo
1882Freixo de Espada-à-Cinta
1885Resende
In Pereira, 1989, 9. 325 (a negrito os concelhos que fazem parte do Distrito de Viseu, acrescento nosso)

Durante a década de 70, ao ritmo quase anual de um ou mais concelhos, a região Duriense vai sendo progressivamente infestada. No que concerne aos concelhos do Distrito de Viseu que fazem parte desta região, constata-se que os primeiros a ser atingidos são os de Tabuaço e São João da Pesqueira, seguindo-se, durante a década de 70, Armamar e Lamego, para terminar em 1885 atingindo Resende.

De acordo com os dados referidos por Martins, em 1883, ¼ da área vinícola nacional estava filorexada, mas 90% das vinhas atacadas e quase todas as destruídas situavam-se na região duriense e zonas confinantes. Constata-se, no entanto, uma mais lenta progressão da pandemia entre 1883 e 1886, que, segundo o mesmo autor, fica a dever-se, “em parte, à extensão já alcançada pelo «terrível flagelo» e, em parte, aos apoios e incentivos concedidos nos últimos anos pelo Estado à luta antifiloxérica na região, que facilitaram e estimularam o tratamento e a recuperação das vinhas doentes.” (MARTINS, 1999, p. 660).

No entanto, a progressão da epidemia não se verificou apenas no Douro, sem dúvida a região mais fortemente atacada. Em 1885, a Comissão Consultiva [dos serviços antifiloxéricos] dava conta dos concelhos afetados em todo o país (ata de 19/12/1885 publicada no Diário do Governo nº 106, de 13/05/1886), constando-se que a epidemia tinha já abrangido o sul do território. Na mesma data, no jornal O Manuelinho noticiava-se: “o boletim filoxérico da comissão do Sul diz que o filoxera rompe por toda a parte sem haver meio de impedir a sua marcha. Já não há tratamentos enérgicos, que possam empregar-se para evitar o mal ao norte do Tejo. Quási todos os concelhos da Estremadura se acham invadidos e se alguns ainda estão considerados indemnes, é porque se não tem feito pesquisas capazes.”

No caso do Distrito de Viseu (Cf. Tabela 2), a maioria dos concelhos encontrava-se, nesta data, afetado pela filoxera, com certeza, com uma diversa intensidade. Na região central do Dão, os primeiros focos teriam sido detetados no início da década de 80 (FONSECA, 2004). No entanto, como refere Fonseca, “nem toda a região da Beira se achava assolada pela crise da filoxera. O vale do Vouga era uma exceção à regra neste período agora tratado” (FONSECA, 2004, p. 17).

Tabela 2: Concelhos afetados pela Filoxera no Distrito de Viseu (1885)

ArmamarResende
Carregal do SalSão João de Areias
LamegoSão João da Pesqueira
MangualdeSanta Comba Dão
Moimenta da BeiraSátão
Mondim da BeiraSernancelhe
MortáguaTabuaço
NelasTarouca
Penalva do CasteloTondela
Penedono 
Fonte: Ata da Comissão de Serviços Antifiloxéricos, 1885

Assim, no caso da área em estudo, os impactos mais profundos da epidemia devem ter-se verificado nos concelhos da região duriense pertencentes ao Distrito, ou seja, Armamar, Lamego, Resende, São João da Pesqueira e Tabuaço. No resto dos concelhos do Distrito e à medida que nos vamos afastando da região mais afetada, os impactos terão sido muito mais reduzidos, já que como refere Martins, “a produção vinícola nacional não deixou de aumentar até 1887 e a quebra de 1/3 verificada em 1892-94 não resultou apenas do alastramento da doença pela região Centro e Sul, mas também do míldio que então atacou fortemente as vinhas do país e causou consideráveis reduções na produção” (MARTINS, 1999, p. 663).

Como reagiram os governos a esta situação? Apesar da nomeação logo em 1872 de uma primeira Comissão para o estudo e avaliação da situação, não são postas em prática quaisquer medidas efetivas até 1878 (FONSECA, 2004). Apenas as propostas apresentadas por uma terceira Comissão de estudo e tratamento das Vinhas do AltoDouro, criada em 1878, começam a ser progressiva, mas lentamente, aplicadas. Esta Comissão propôs um conjunto diversificado de medidas, quer no que respeita ao combate à epidemia, quer à vigilância, quer ainda ao apoio aos agricultores atingidos, incluído os municípios como agentes da concretização de algumas delas. Assim, a Comissão propõe nomeadamente, a instalação de postos experimentais para ensaiar a aplicação de medicamentos para o combate, a criação de comissões concelhias de vigilância, a importação de sulfureto de carbono, prismas de Rohart e vinhas americanas, a construção de uma fábrica de sulfureto, a isenção da contribuição predial nas propriedades com vinhas filorexadas, a concessão de subsídios para o tratamento e recuperação, a obrigatoriedade do tratamento e a redução dos direitos de importação para os produtos utilizados no tratamento das vinhas (FONSECA, 2004).

Uma das primeiras medidas que o governo de Rodrigues Sampaio pôs em prática, em 1882, no sentido de incentivar o uso do sulfureto de carbono para o tratamento das vinhas, foi a subsidiação do preço deste produto em 2/3.

Do conjunto das medidas que os governos foram pondo em prática, sobretudo durante a década de 80, interessa analisar com detalhe as que apresentam possibilidade de um maior impacto municipal.

Logo em 1880, (Lei de 16/06/1880), os terrenos com vinhas completamente destruídas são isentos da contribuição predial, podendo igualmente os proprietários das plantações, em alguma medida afetadas, solicitar a isenção da mesma contribuição. Na medida em que os impostos diretos municipais constituam um adicional às contribuições gerais, esta isenção significava igualmente uma isenção do pagamento desse adicional municipal. Aliás, o legislador, é relativamente explicito quanto a este assunto, ao afirmar que “o facto da anulação [da contribuição predial] trará como consequência a anulação dos impostos lançados pelos corpos administrativos, correspondentes às coletas anuladas”.

Dois anos depois (Lei de 01/06/1882), o governo volta a legislar sobre a isenção de impostos, desta vez como forma de apoiar e incentivar a renovação do plantio. Em primeiro lugar, são isentas da contribuição predial e dos impostos locais, por um período de 5 anos, as vinhas que, tendo sido atacadas pela filoxera, tenham voltado a produzir. O período de 5 anos é contado a partir do momento em que essas vinhas voltem a dar rendimento líquido (artº1, ponto 2º). O ponto 3º do mesmo artigo estende o período desta isenção para 10 anos no caso de vinhas que tenham sido replantadas. Estas isenções, até porque se prolongam significativamente no tempo, apresentam a potencialidade de provocar uma redução significativa da receita municipal em impostos diretos.

Provavelmente consciente deste impacto, no artº 3º da mesma legislação, o Estado propõe-se, a requerimento dos municípios, assumir a despesa com a instrução primária nas freguesias atacadas pela filoxera e nas quais a produção de vinho fosse a principal atividade.

Em 1886, no contexto da aprovação de uma nova (re)organização dos serviços anti- filoxéricos (Decreto de 09/12/1886) estabelece-se que a prevenção, controlo e recuperação das vinhas (incluindo a replantação) incubem também às câmaras municipais, nomeadamente constituídas em Comissões de Vigilância. As câmaras podem, por outro lado, apoiar a luta dos agricultores locais contra a pandemia, criando depósitos de sulfureto de carbono para fornecimento a preço reduzido aos lavradores do concelho, porque “o governo lhes cederá este inseticida por um terço do preço por que o governo o obtém, colocando-o na estação do caminho-de-ferro mais próxima do depósito municipal” (artº 19). Neste contexto de incentivo ao tratamento das vinhas, é decretada também uma nova redução da contribuição predial, durante 5 anos, desta feita para as vinhas que receberem tratamento.

Por último, em 1888 (Decreto de 07/12/1888), a isenção da contribuição predial e dos impostos locais estende-se agora a qualquer vinhedo que tenha sido atacado.

O impacto sobre a receita municipal não resultará apenas da política de isenção de impostos do Governo Central. É possível considerar que o ambiente de crise provocado pela epidemia terá globalmente contribuído para uma diminuição da receita.

É sobretudo a progressão da epidemia ao longo dos anos, que leva alguns autores (MARTINS, 1999) a concluir que a ação do Estado teve pouco impacto, devido ao atraso na resposta e à lentidão e inoperância na aplicação das medidas definidas. A resistência dos agricultores à aplicação das medidas aconselhadas pelos técnicos pode ser considerada também um fator relevante. No entanto, não foipossível detetar estudos que fizessem uma análise suficiente da Filoxera em várias regiões do país, e muito menos sobre o papel dos municípios neste contexto. Sendo assim, estas conclusões só podem ter um caráter provisório.

Os municípios do Distrito de Viseu

No caso dos municípios do Distrito de Viseu, que impacto teve esta pandemia e que tipo de resposta as câmaras municipais puseram em marcha na luta contra a filoxera?

Pelas razões referidas, a análise distingue dois grupos de concelhos, a saber: os que se integram na Região Demarcada do Vinho do Porto e os que se encontram fora desta. Particularmente para o primeiro grupo de municípios a análise considera as dimensões da receita e da despesa. No contexto da receita, a questão essencial é a de avaliar o impacto da filoxera e da política de isenção de impostos nacional nas finanças municipais; do ponto de vista da despesa, identificar as formas de atuação municipal e o seu impacto neste contexto.

No conjunto dos concelhos que integram a Região Demarcada do Vinho do Porto, refira-se, em primeiro lugar, a exclusão, nesta análise, do caso de Armamar, principalmente devido à prática de registar, nas Contas de Receita e Despesa, a informação de forma muito genérica, agregando na mesma rubrica tipos muito díspares de despesas.

No que respeita à Câmara de Lamego e do ponto de vista da despesa, não existe evidência que indicie a tomada de qualquer atitude de apoio aos agricultores do concelho e não existe também qualquer reflexo no âmbito da Instrução Primária. Já quanto à receita fiscal em impostos diretos é visível (cf. Gráfico 1) o seu decréscimo sucessivo nos anos da segunda metade da década de 80 e até 1891: esta tendência inicia-se, entre 1885 e 1886, com uma taxa de -4,31%, mas nos anos seguintes a redução será tendencialmente superior a 10%. A interpretação desta tendência como impacto da crise filoxérica parece justificável, já que a variável taxas aplicadas para o cálculo dos impostos se mantêm praticamente constantes neste período, à volta dos 46%.

Fontes: Contas de Receita e Despesa da Câmara Municipal de Lamego

Os impactos da filoxera e particularmente da legislação sobre a isenção de impostos são muito evidentes no concelho de São João da Pesqueira. Logo a partir do ano económico de 1882, o executivo municipal começa a dar nota, na elaboração dos orçamentos, da isenção de contribuições diretas nacionais, que têm obviamente uma repercussão na receita do adicional municipal. No orçamento de 1882 refere-se que as isenções das contribuições diretas nacionais ascendem a 10 contos de réis. Esta situação prolonga-se, pelo menos, até 1892.

O impacto real destas anulações sobre a receita municipal do adicional às contribuições diretas do Estado torna-se particularmente evidente a partir de 1885 e assume os seus valores mais significativos nos anos de 1890 e 1891 (Cf. Gráfico 2).

Fontes: Contas de Receita e Despesa da Câmara Municipal de São João da Pesqueira

No entanto, este impacto não pode apenas ser atribuído às isenções de contribuições, já que a Câmara toma, na mesma altura, a decisão de reduzir as taxas do adicional municipal: depois de uma oscilação entre 40 e 60% entre 1881 e 1886, a partir, pelo menos, de 1888 (não existe informação sobre o valor da taxa para o ano de 1887) a taxa cai praticamente para metade. Não obstante, a redução das taxas também não explica completamente o fenómeno, já que existindo uma correlação positiva entre estas e a receita cobrada, ela é de fraca intensidade (r=0,5).

Assim, pode concluir-se que a redução da receita resulta da conjugação das isenções permitidas pela legislação de resposta à filoxera e da decisão da redução da taxa por parte da Câmara Municipal. Esta decisão pode e deve ser igualmente considerada uma consequência indireta da crise provocada pela Filoxera e constituir uma das formas de resposta municipal ao contexto de crise.

Um outro impacto sobre a receita, a partir de 1885, é a drástica redução da cobrança do adicional às contribuições diretas específico para a Instrução Primária, a não ser, como assinala o executivo municipal no orçamento de 1885, “senão para criar uma pequena verba que necessário é separar-se da receita para despesa geral do município”. Esta opção prolonga-se até 1889, voltando, a partir de 1890, a existir registo de cobrança deste imposto, mas com descontos por causa da filoxera.

A decisão dos executivos municipais de, praticamente, não cobrar o adicional para a Instrução Primária tem de ser entendida no contexto da redução da despesa neste âmbito. Efetivamente, a partir de 1885, o Governo assume, no contexto da já referida legislação de 1882, parte da despesa municipal com a Instrução Primária. A partir deste ano e até 1892, grande parte do vencimento anual de dezasseis professores de dez freguesias filorexadas é pago centralmente, ficando a Câmara apenas responsável pela satisfação da velha gratificação que vem dos anos 40 no valor de 20 000rs anuais. Como seria de esperar, a despesa com o ordenado dos professores no contexto das finanças municipais reduz-se significativamente.

Em Tabuaço conjugam-se igualmente as variáveis referidas no caso anterior, ou seja, a redução da receita pela isenção de impostos e pela diminuição das taxas da contribuição direta definidas pela câmara. Desde o orçamento de 1881 e até 1892 a Câmara refere sistematicamente que o cálculo da receita do adicional sobre as contribuições diretas tem em conta “as anulações por sinistro”. No orçamento de 1881 refere-se mesmo especificamente que “no cálculo da contribuição direta foram abatidos 526,058rs por causa da destruição causada pela filoxera no ano de 1879”. Por outro lado, a redução mais significativa das taxas sobre as contribuições diretas ocorre durante os anos de 1888, 1889 e 1890 em que, dos 60% anteriores se passa quase para metade, ao estabelecer 35% como taxa aplicável. As taxas voltam a subir a partir de 1892, mas não recuperam o nível anterior (a taxa fixada em 1892 é de 41% e em 1893 de 42%).

A isenção de impostos nestes contextos dará mesmo lugar a despesa municipal que se traduz na devolução de receita anteriormente cobrada, como acontece nos anos de 1893 e 1896 nos quais a Câmara se vê obrigada a devolver um total de 346,949rs aos “contribuintes que obtiveram anulações por filoxera no ano de 1889”. Se o montante devolvido no ano de 1893 é reduzido (20,155rs), já a quantia ressarcida aos contribuintes em 1896 representa mais de 5% da despesa municipal nesse ano (5,15% mais exatamente).   

Uma atitude mais ativa do município no contexto da luta da contra filoxera traduz-se no pagamento de formação a um indivíduo que foi “habilitar-se como prático anti-filoxérico na Estação Filoxérica do Pinhão”. Esta despesa tem uma dimensão muito reduzida (8,333rs) e não há qualquer evidência que este indivíduo tenha, em seguida, atuado em contexto municipal como forma de apoiar os agricultores na aplicação das melhores estratégias de luta contra a invasão.    

Finalmente, no que respeita ao concelho de Resende, não foi detetável qualquer evidência de impacto deste contexto, quer do ponto de vista da receita, quer da despesa.

No universo dos concelhos fora da Região Duriense, em apenas cinco casos existem evidências de alguma receita e despesa com o combate à filoxera, a saber: Carregal do Sal, Mondim da Beira, Nelas, Mortágua e Penalva do Castelo, ou seja, a maioria dos executivos municipais deste grupo de concelhos não parece ter sido sensível à necessidade e importância da ação municipal neste contexto; em alguns casos provavelmente porque o impacto da epidemia não foi grandemente significativo.

Na maior parte dos casos, a ação municipal desenvolve-se na dimensão de apoio ao tratamento das vinhas filorexadas e traduz-se na venda de sulfureto de carbono e aluguer de injetores aos agricultores. Esta ação municipal pode ter uma regularidade verdadeiramente episódica, como nos casos de Carregal do Sal e Mondim da Beira, ou configurar, durante um determinado período, um quase serviço, como nos casos de Mortágua e Penalva do Castelo, os municípios que mais consistentemente desenvolvem ações neste contexto. Aliás, Penalva do Castelo designa mesmo a despesa como Serviços Anti-floxéricos. Assim, através do seus “serviços anti-filoxéricos”, a Câmara de Penalva do Castelo age fundamentalmente como facilitadora do acesso dos agricultores ao tratamento das vinhas com sulfureto de carbono, aliás no contexto da legislação já referida. Logo em 1888 é registada a primeira despesa com “serviços filoxéricos”, provavelmente na aquisição do referido produto químico, que começa a vender no ano seguinte. Em 1889 adquire vários injetores para aplicação do sulfureto de carbono, que começam a ser utilizados nesse mesmo ano pelos agricultores. Esta atividade desenvolve-se regularmente até 1896.

As câmaras municipais não faziam uma distribuição deste produto e equipamento de forma graciosa aos agricultores. O objetivo era dispor localmente de quantidades suficientes e praticar um preço de venda inferior ao mercado, até porque o seu custo era, para estas entidades, também inferior. Isto dá origem a receita que resulta exatamente dessa venda e do aluguer de equipamentos. Assim, tendencialmente receita e despesa deviam conduzir a um equilíbrio teórico de resto zero. No caso de Penalva do Castelo, tal não se verifica, embora receita e despesa apresentem uma tendência para crescimento até 1895, esta última é sempre superior à primeira. Assim, nos nove anos que decorrem entre 1888 e 1896 a Câmara de Penalva do Castelo gasta um total de 772,859rs, mas só consegue uma receita de 582,444rs, verificando-se, por isso, um saldo final negativo de 190,414rs. A existência deste saldo negativo, de montante relativamente significativo para um pequeno concelho como Penalva, fica a dever-se, em primeiro lugar, ao custo de gestão deste serviço (em 1896 a Conta regista especificamente uma gratificação ao “encarregado da guarda e conservação das máquinas agrícolas e da fiscalização da venda de sulfureto de carbono”), e, provavelmente a um excesso de aquisição que não foi utilizada pelos agricultores. Feito o balanço, é inegável que a Câmara desempenhou um relevante papel neste contexto e foi de encontro às necessidades dos agricultores que responderam positivamente, contribuindo desta forma para tornar mais eficiente a resposta à epidemia.

Embora mantendo também, entre 1890 e 1906, um serviço regular de venda de sulfureto de carbono e de aluguer de injetores, os montantes gastos e, por conseguinte, em parte recebidos pela Câmara Municipal de Mortágua são de uma dimensão muito inferior aos do caso anterior. Ao longo destes anos, receita e despesa pouco ultrapassam os 100,000rs (respetivamente 103,552rs e 102,233rs), saldando-se este serviço por um superavit pouco significativo, na ordem dos 1,319rs. Assim, neste concelho as necessidades do combate à epidemia terão sido menores, o que parece fazer sentido já que é o que se situa mais a sul do Distrito, o que não invalida a importância relativa do papel da Câmara Municipal neste contexto.

No caso da Câmara de Nelas, existe também receita com a venda de sulfureto de carbono e com o aluguer de injetores, mas ocorre de forma relativamente episódica apenas em três anos no início da década de 90 e fica-se por uns reduzidos 61,608rs. No que concerne à despesa, ocorre apenas um registo de conservação de injetores em 1896.

Relativamente aos concelhos de Carregal do Sal e Mondim da Beira, a despesa registada é de valor bastante reduzido e traduz-se apenas no apoio a comissões de vigilância locais, das quais, aliás, as respetivas câmaras faziam parte. Os montantes envolvidos têm individualmente pouco significado: Carregal do Sal – 64,946rs; Mondim da Beira – 4,000rs.   

CONCLUSÕES:

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